terça-feira, 28 de abril de 2015

Trabalhos e amores

Amar as pessoas dá trabalho
Amar as pessoas exige sacrifício
Amar as pessoas é quase impossível
Mas amar o modo como elas existem
Amar o jeito delas caminharem
Amar o jeito delas pensarem
Amar cada detalhe em suas mediocridades
É entendê-las
Cada gesto, cada palavra
Cada ideia, cada raciocínio
Cada significado, uma vida
Pensar é tudo isso e mais
Pensar é viver e não ter a vergonha
Pensar é parte integrante de amar
E amar não é mais que pensar em voz alta
E quem pensa no outro
Ama apenas a parte de si
Que encontrou no espelho da alma
Na retórica das argumentações incompetentes
Onde se encontrou perdido
Na terceira lei de Newton

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Lapsos de um dia dos mortos (ex-amantes)

Entorpecido por cada gole, me fiz homem na hora em que a beijei nos lábios. Do mais doce mel, não senti nada de arrependimento. Já sentira isso antes. Foi com tal graça que beijei teus seios, mas não senti nada além de excitação. Toquei na tua vulva com meus dedos e, no vaivém, me senti mais homem que nunca. Mas isso não durou.
Olhei para o lado e não vi mais ninguém. Estávamos sozinhos ali, naquele momento. Éramos só eu e ela. Mas eu não me sentia capaz. Enrijecido, pensei em colocá-la de quatro, naquele momento, mas não me foi permitido. Ficamos só naquilo. Beijos, abraços e movimentos tão frenéticos que acordaram fibras de mim que eu não sabia que existiam.
Mas eu já sabia qual era seu gosto, suas procedências, seus gostos e limites. Não era nada de novo. Não era o que eu queria. Era o que eu tinha disponível numa mente entorpecida, ébria, tomada pelo sabor transparente de uma água intoxicada. Eu não era eu mesmo. Eu me sentia tomado pelos hormônios que me acordavam de um sono que, há muito, me fazia hibernar. Eu me sentia desperto, mas nada alerta. O cérebro que eu tanto sentia orgulho não me serviu de nada e caí, mais uma vez, em garras que me prenderam até o sol raiar.
Nessa noite, eu me vi preso em partes de mim que não eram meu eu normativo. Estou confuso. Existem lapsos em minha memória. Mas sei que não consigo mais me olhar no espelho sem lembrar que traí cada convicção do meu corpo. Momentaneamente, fui um homem feliz.
Confuso, acordei no dia seguinte vendo-a deitada ao meu lado. Encurralado, me senti preso e abismado. Perguntei-me o que poderia fazer, mas nenhuma resposta me foi conclusa. Ainda hoje não sei o que aconteceu. Ainda não sei o que poderia ter feito. E ainda me culpo por ter caminhado ultrapassando os limites anteriormente impostos. Mas nada me deixa mais triste do que lembrar que tudo poderia ter sido melhor se eu não a tivesse encontrado, naquele estado.
Mas foi ela quem me provocou, me puxou para um canto, fez de mim o homem que sou e se divertiu com o que se passou. Não sei o que fazer, nem se posso reclamar. Sou humano e ainda posso errar. Aquilo foi tortura e, mesmo assim, não tem nome. Hoje, sinto só desprezo. Não consegui olha-la nos olhos e sentir qualquer coisa a não ser esse arrependimento.
A agressividade com que escrevo essas palavras não tem sentido. Ela tentou me colocar contra a parede, crucificar-me pelos meus pecados. Mas não fui eu que menti descaradamente. Não fui eu que enganei para tentar ficar por cima. Não fui eu que mentiu sobre sua aparência para tentar diminui-la. Eu que sofri com todas essas coisas. É engraçado como sempre lidei com ela tal qual uma vítima quando, na verdade, fui eu que sofri de mentiras contadas sem qualquer propósito.
Magoei-me pelo que me foi dito diretamente quando, tempos antes, magoei pelo que foi dito pelos outros. As fofocas podem acabar qualquer coisa e, com certeza, elas teriam sido melhores do que qualquer mentira que eu possa ter ouvido desses lábios finos, nesse rosto redondo, nesse corpo voluptuoso.
O teu seio já não me faz falta, tua vulva, também não. Assim como ao teu lábio, quero distância dessa mente doentia que insiste em me aparecer na lembrança, em forma de nostalgia. Sempre que eu te vir, procurarei evitar. Pois não sou obrigado a sofrer em teu nome, quimera dos meus pesadelos últimos.

Minhas [des]ocupações mais valorosas...